ROY AYERS: VIBRAÇÕES ESPIRITUAIS

Você já ouviu incontáveis músicas com o som de Roy Ayers. Se não só das lançadas por ele ou dos vários discos que produziu, provavelmente também qualquer uma das centenas de faixas que usam samples de suas músicas. Vibrafonista de jazz, líder da banda dançante Ubiquity, em quase 50 anos de carreira até hoje moderno, o californiano Roy Ayers, 72, veio ao Brasil março de 2013 para apresentação no Sesc Belenzinho, e conversei com ele, abaixo.

Quando começou a tocar, seu ídolo no vibrafone era Lionel Hampton?
Quando eu tinha 5 anos em Los Angeles, eu vi Lionel Hampton se apresentar, ele deixava a banda no palco, descia do palco e fazia todo mundo cantar com ele. Eu estava cantando com minha mãe e meu pai e ele me deu suas baquetas de vibrafones. Minha mãe disse que ele deixou vibração espirituais em mim. Lionel Hampton foi minha grande influência. Tenho muito respeito por ele. Ele foi muito influente para todos os jazzistas que vieram depois dele. Todo mundo que virou alguém na música, fale quem quiser, Miles Davis, Quincy Jones, Ella Fitzgerald, Dinah Washington, todos passaram pela banda de Lionel Hampton.
Você também ouvia R&B na juventude?
Pouca gente sabe disso, mas eu também cantava em um grupo de R&B chamado The Poets – antes dos Last Poets surgirem. Isso é quando eu tinha 15 anos, estava no colégio, antes do meu primeiro vibrafone. Eu sempre quis um, mas eles eram caros. Ganhei meu primeiro vibrafone aos 17 anos. Todas as formas de música que toquei sempre foram uma experiência bonita pra mim.

Você se lembra de gravar com Tom Jobim, em 1965?
Ah sim, foi incrível. Eu era jovem, lembro de pensar, “uau, estou numa sala com alguns grandes músicos”. Sergio Mendes também estava lá, foi levar o Jobim. Era o álbum “Jack Wilson Plays Brazilian Mancini” e tínhamos o convidado especial “Tony Brazil” no violão – você sabe quem é, certo? Antonio Carlos Jobim! Ele não podia usar seu nome por causa de um contrato com outra gravadora. Gravamos grandes canções de Mancini, como “Days of wines and roses”, “Breakfast at Tiffany’s”. Lembro do Sergio Mendes lá – ele não tocou, foi levar o Jobim. Eu era jovem, pensei, “uau, estou numa sala com alguns grandes músicos”. Você vê o talento do Jack Wilson, de juntar as pessoas certas. E conseguir lançar o disco por um selo pequeno, Vault. Gravamos no começo da noite, algo como seis ou sete da noite em Los Angeles, tocamos por cerca de oito horas. Todos tocaram tão bem, foi tudo em um ou dois takes no máximo. Jack Wilson era meu mentor, me ensinou a respirar enquanto solo. Ele dizia, “Roy, respire, você tem que respirar, tem que fazer… [Faz som de inspiração e expiração.] Não tente dizer tudo em uma frase.”

Como foi gravar com Fela Kuti em 1979?
Eu amava Fela, Fela era incrível. Meu Deus, seu estilo era tão único. Um grande músico, um grande dançarino, um grande político. Ele organizou um partido chamado MOP – Movimento das Pessoas. Fiquei quase um mês inteiro na Nigéria com ele e sua banda Africa 70 e foi realmente incrível. Também toquei com ele e sua banda no Apollo, em Nova York, no Harlem. Gostei muito de tocar com ele, era um dos meus músicos favoritos de todos os tempos. Fico muito triste com sua morte porque ele era uma grande mente para a música. O Afrobeat, seu conceito original, me impressionava muito, seu estilo de tocar piano e dançar com as mulheres – ele tinha 27 esposas, era uma entidade única. Nunca encontrei ninguém tão incrível quanto ele, tão incrivelmente talentoso, um artista incrível, que nunca será esquecido.

Você ouve as músicas que usam samples de seu trabalho?
Gosto muito. Fui muito sampleado, especialmente por muitos rappers. Tenho mais hits baseados em minhas músicas do que qualquer um. Creio que James Brown foi mais sampleado que eu, mas tenho mais hits com meus samples. Artistas como 50 Cent, Mary J. Blige, Erykah Badu, muita gente, mais de 50 grupos me samplearam. Me sinto bem a respeito disso. Nunca fui atrás de ninguém para samplear minha música, as pessoas é que gostaram tanto da minha música que quiseram sampleá-la, isso faz eu me sentir apreciado.

(Folha de S.Paulo, março de 2013)